sexta-feira, 2 de outubro de 2009

De quando damos conta de que falhou tudo o que fizemos para conseguirmos um amor

Mais um texto que não me pertence, mas como não o 'roubar', se vem claro e límpido, descrevendo lucidamente os desarranjos do amor? Esses que me emudecem...
Obrigada, Goldmundo.

Palavras muito simples e muito sábias de Clarice Lispector, publicadas aqui mesmo ao Lado, despertaram em mim a vaga tristeza própria de quem sempre se atrasa ou se adianta e não sabe porquê. «Quando chegares, saberei quem és» poderia ser o primeiro verso de um poema sobre a misteriosa avaria de um relógio apaixonado que nunca acerta a hora pelo bater do coração amado. Uma espécie de "maquenismo" que teima em não abrandar, apesar de a regularidade do Tempo ser sempre a mesma desde os primórdios - e nunca, mas nunca, permitir ajustamentos.

Nada fazer é, sem dúvida, a vacina capaz de aniquilar esse vírus tão mortal do desacerto. Mas nada fazer é também impossível para a própria natureza da paixão. Porque não há paixão sem doença, sem atropelo da ordem interior, sem terramoto nos ossos, sem erupção do sangue espesso que se forma nas veias e nas artérias à beira da explosão. A paixão escolhe apenas a parte de nós que nada sabe, que nada pensa, que não se distancia: a paixão reduz-nos à paixão. E quando damos conta de que falhou tudo o que fizemos para conseguirmos um amor, já a aceleração nos levou para além da nossa capacidade de inércia.

O trabalho seguinte, sempre atrasado porque a paixão se adiantou, consiste já não em nada fazer, porque o que fizemos está feito, mas em voltar a aprender a acertar o passo com o ritmo que vida quer de nós.

Por isso dói.
 
 
Texto de Goldmundo, no seu Diário